22 de janeiro de 2013

Quebra de um Paradigma.

Começo esse texto com a declaração do Cirurgião Theodor Billroth em 1883:
"O cirurgião que tentar suturar uma ferida no coração deve perder o respeito de seus colegas."

No dia 7 de setembro do ano de 1896 um jovem jardineiro de 22 anos foi esfaqueado no peito e deixado para morrer nas ruas de Frankfurt. Encontrado várias horas depois pálido, coberto de suor frio e respirando com dificuldade foi levado ao Hospital Estadual, o pulso do jovem estava irregular e suas roupas ensopadas de sangue. Mesmo assim mantinha-se vivo. Após receber os cuidados iniciais e ser internado sua condição foi deteriorando-se. Evoluiu com hemotórax e febre. No dia 9 de setembro sua condição estava crítica. Ao voltar de uma viagem o Cirurgião Ludwig Rehn viu o paciente pela primeira vez. Abaixo segue parte do impressionante relato* e a notável conduta do Dr. Rehn.

"No caso terrível de uma facada do ventrículo direito, fui obrigado a operar… Não havia nenhuma outra opção disponível para mim, com o paciente deitado diante de mim, sangrando até a morte. Depois de uma leitura atenta do caso a seguir, o cirurgião será capaz de colocar-se na minha posição. Embora eu gostaria de ter tido tempo para analisar cuidadosamente o problema, ele exigiu uma solução imediata (…)

(…) Pulso fraco, aumenta o embotamento cardíaco à percussão, respiração de 76 respirações por minuto, mais deterioração durante o dia, diagnóstico da toracocentese revela sangue escuro. O paciente aparenta estar moribundo. Diagnóstico: Rápido aumento do hemotórax. 

Eu decidi operar o tórax através do quarto espaço intercostal esquerdo, havendo maciça quantidade de sangue na cavidade pleural. Não há lesão da artéria mamaria. Há um sangramento contínuo oriundo de um buraco no pericardium. Esta abertura é alargada. O coração é exposto. Sangue velho e coágulos são retirados. Há um ferida aberta de 1,5 cm no ventrículo direito. O sangramento é controlado com pressão digital (…).

Eu decidi suturar a ferida cardíaca. Usei uma pequena agulha intestinal e um fio de seda. A sutura ficou firme durante a diástole. O sangramento diminuiu notavelmente com a terceira sutura, todo o sangramento estava controlado. O pulso melhorou. A cavidade pleural foi irrigada. A pleura e o pericardium foram drenados com gaze estéril. A incisão foi aproximada, a frequência cardíca e respiratória diminuíram e o pulso melhorou no pós-operatório.

(…) Hoje o paciente está curado. Ele parece muito bem. Sua resposta cardíaca é regular. Eu não o autorizei para trabalho físico pesado. Isso prova a viabilidade da reparação cardíaca com sutura, sem dúvida! Eu espero que isso leve a mais investigações em relação a cirurgia do coração. Isto pode salvar muitas vidas."


Este fato ocorreu há 117 anos atrás. Ludwig Rehn é considerado o primeiro cirurgião a realizar um cirurgia cardíaca com sucesso. A postura deste Cirurgião mudou o rumo da história da cirurgia, iniciando o relato quase que desculpando-se, ele fez algo incrível para medicina e principalmente pelo paciente. Transcendendo a opinião de muitos cirurgiões e ganhando o respeito da comunidade médica. 

Após apresentar o caso em um congresso de cirurgia em Berlin, no ano seguinte, diversos relatos de sucesso foram descritos. O próprio Rehn publicou uma série de 124 casos com uma mortalidade de 60% em 1907.

A beleza da medicina vem da coragem e desenvoltura dos seres humanos. Que mesmo sob as maiores adversidades são capazes dos feitos notáveis.

Por Paulo Pepulim

*(Tradução livre pelo autor deste texto)

Um comentário:

Nielton disse...

Isso prova a incrível capacidade do ser humano de superação em momentos adversos.